NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, PASTORAL CARCERÁRIA DEBATE DESENCARCERAMENTO E DESMILITARIZAÇÃO
“Tortura! O sistema carcerário é tortura da entrada até a saída”, essa foi a fala do padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária – CNBB, durante audiência sobre a realidade prisional no Brasil e as propostas pelo Desencarceramento e Desmilitarização realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília, na quita-feira, 24, a pedido da Pastoral Carcerária e com o apoio do deputado Paulo Teixeira.
Além do Padre Valdir, compunham a mesa o deputado federal Paulo Teixeira, Dom Leonardo Ulrich Steiner, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília; Débora Maria da Silva, fundadora do movimento autônomo Mães de Maio; Maria Lúcia Karam, juíza aposentada e presidente da Law Enforcement Against Prohibition (LEAP); e Mara Barreto, diretora da Escola Nacional de Serviços Penitenciários do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça- DEPEN.
Débora, das Mães de Maio, recordou que o “Estado abandona, e quando não abandona mata”, referindo-se a prática do Estado tanto em relação aos jovens negros e pobres moradores das periferias e favelas quanto aos/às encarcerados/as.
A representante das Mães de Maio aproveitou a ocasião para criticar a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 55/241 – conhecida como PEC do Teto. De acordo com ela, a aprovação desse projeto vai abarrotar o sistema carcerário, além de militarizar ainda mais o Estado, o judiciário e a vida cotidiana das pessoas. “Temos nossas vidas militarizadas, é preciso desmilitarizar as polícias e desmilitarizar a vida!”.
Dom Leonardo também criticou a PEC 55/241. O bispo afirmou que o povo foi deixado de lado diante da discussão da lei e dos seus impactos. Nesse âmbito, o secretário da CNBB recordou a Medida Provisória (MP) da reforma do ensino que da mesma maneira não foi debatida com a sociedade e quer propor uma reforma do ensino feita sem consulta a professores, alunos e especialistas em ensino.
Para o bispo, se a sociedade quer pensar a questão carcerária brasileira tem que pensar em educação, e isso não se dará por meio de uma medida provisória. “É preciso pensar a educação brasileira e isso não pode ser com uma MP. Uma escola que forme apenas técnicos e não pessoas não funciona. Não responde aos desafios”.
“A Pastoral Carcerária é obra de misericórdia da igreja. Pastoral quer dizer cuidado. Cuidado para que nós, como igreja, possamos mostrar a grandeza da misericórdia de Deus. É uma obra de misericórdia, obra como visibilização da misericórdia. Se nós como pastoral formos ao encontro de nossos irmãos e irmãos nós estaremos mostrando como Deus é misericordioso para tirar a perspectiva da punição, da cultura de violência que existe em nossa sociedade brasileira. A Pastoral Carcerária tem um serviço muito importante e ao mesmo tempo muito delicado, nós como igreja somos muito gratos a todos os irmãos e irmãs que ajudam tanto a igreja na Pastoral Carcerária” afirmou o bispo.
Além disso, dom Leonardo afirmou que é preciso repensar o sistema carcerário, mas a partir da dignidade da pessoa humana. A partir de organização e mobilização social. “Que tipo de sociedade nós desejamos? Qual a possibilidade de pessoa humana que nós como sociedade e igreja oferecemos?”, questionou.
Categoricamente, o bispo reforçou que “temos que analisar que esse sistema carcerário esta levando à violência, esta levando à morte e ninguém sai melhor de uma prisão. A prisão é anunciada como uma maneira de reeducação e momento de abrir novos horizontes. Mas, ao contrário, os horizontes se fecham e está na hora de repensarmos todo nosso sistema prisional e buscarmos ajudar o Estado brasileiro a buscar outro modo diferente do encarceramento e da punição, como estão fazendo outros países”.
Já Maria Lucia Karam, ao abordar a necessidade de descriminalização do uso e do comércio de drogas afirmou: “A proibição não é apenas uma política falida. É muito pior do que simplesmente ser ineficiente. A proibição causa danos muito mais graves e aumenta os riscos e os danos que podem ser causados pelas drogas em si mesmas”.
LEIA A ÍNTEGRA DA FALA DE MARIA LUCIA KARAM
“Desde logo, vale ressaltar que a ‘guerra às drogas’ não é exatamente uma guerra contra as drogas. Não se trata de uma guerra contra coisas. A ‘guerra às drogas’, como quaisquer outras guerras, dirige-se sim contra pessoas: os produtores, comerciantes e consumidores das selecionadas substâncias proibidas. Seus resultados são mortes, prisões superlotadas, doenças contagiosas se espalhando, milhares de vidas destruídas, atingindo especialmente os mais vulneráveis dentre seus alvos – os pobres, marginalizados, não brancos e desprovidos de poder”.
Maria Lucia criticou a guerra as drogas, destacando que sua prática não coexiste com a ideia de direitos humanos. “A proibição e sua guerra não se harmonizam com a ideia de direitos humanos. São conceitos incompatíveis. Guerras e direitos humanos não são compatíveis em nenhuma circunstância.”
Ao final das falas das pessoas que estavam na mesa, os coordenadores estaduais da Pastoral Carcerária – que participaram da audiência e estão em Brasília para a assembleia nacional da Pastoral que acontece de 25 a 27 de novembro – apresentaram questões importantes ligadas as suas realidades. Foram apresentadas denuncias de violações e tortura, além de dificuldade na relação com o judiciário e os diretores de presídios de suas localidades.
As questões da mulher presa, da falta de estrutura de saúde e estudo nos presídios, foram colocadas como pontos de denúncia da prática do Estado que abandona e tortura os presos Brasil a fora.