Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade em Minas Gerais repudiam nota emitida pela AMAGIS
FAMILIARES DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADES EM MINAS
GERAIS REPUDIAM NOTA EMITIDA PELA AMAGIS
Nós, familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade em Minas Gerais, aqui representados pela Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais (Grupo de Amigos) e pela Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais, viemos manifestar nosso REPÚDIO à nota emitida pela Associação de Magistrados Mineiros (AMAGIS) no dia 14 de setembro de 2020 (https://amagis.com.br/posts/amagis-repudia-ataques-a-justica-de-formiga).
O Grupo de Amigos nasceu em 2007, fruto da articulação de familiares de pessoas privadas de liberdade em Minas Gerais, como o fim de fortalecer e auxiliar os mesmos a buscarem a garantia de seus direitos e, principalmente, dos direitos de seus entes encarcerados, prestando também assistência jurídica e social a essas pessoas. O Grupo foi legalmente constituído como associação em 2009, sendo presidida por Dona Maria Teresa dos Santos, uma ativista de direitos humanos que é uma referência nacional na pauta prisional. O Grupo de Amigos compõe a Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais e a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, articulação composta por centenas de organizações, movimentos sociais, coletivos e associações de familiares de pessoas presas e/ou de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, além de pesquisadores, advogados, psicólogos, assistentes sociais, professores e outros profissionais, que atua diretamente no enfrentamento ao encarceramento em massa no Brasil desde o ano de 2013.
No dia 10 de setembro, familiares de pessoas presas no Presídio de Formiga realizaram uma manifestação na porta da unidade e em frente ao Fórum da cidade para DENUNCIAR as diversas ilegalidades e crimes de tortura que estão ocorrendo naquele presídio e para REIVINDICAR o cumprimento INTEGRAL dos direitos das pessoas presas previstos na Constituição Federal e na Lei de Execuções Penais. Foi com espanto e indignação, portanto, que tomamos conhecimento da nota de repúdio emitida pela AMAGIS contra a manifestação pacífica das familiares em Formiga.
Em sua nota, a AMAGIS alega que as denúncias de tortura eram “equivocadas, vagas e imprecisas”. Ressaltamos que não cabe a nós, familiares, comprovar o “estado inconstitucional das coisas” na unidade de Formiga, realidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao sistema prisional nacional, já que é dever legal do ministério público e do juízo da execução da pena fiscalizar as unidades de cumprimento de pena, devendo tomar todas as medidas cabíveis para investigar e punir denúncias de tortura no sistema prisional. Qual foi última vez que a ilustre magistrada e representante da promotoria da comarca de Formiga realizaram uma inspeção na unidade prisional local?
Enquanto magistrados e promotores do estado sentam confortáveis em seus gabinetes custeados pelo povo mineiro, nós, familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade que trabalham de modo incansável em prol da garantia dos direitos fundamentais e humanos no cárcere, temos recebidos reiteradas denúncias de tortura em
relação ao presídio de Formiga, entre as quais a mais grave é a privação de acesso a água na unidade. Segundo as denúncias, a água é aberta nas celas apenas 9 a 12 minutos duas vezes ao dia, sendo essa toda a água que cerca de 30 apenados dividem para beber, tomar banho e para descarga. Convidamos, portanto, os magistrados e promotores de
Minas a descerem de seus prédios encastelados para conhecer de perto a realidade da sentença que impõem diariamente sem sequer refletir que por trás de cada canetada há um ser humano e uma família. Se há “desconhecimento e desinformação” a respeito d lei e da realidade do sistema prisional mineiro, não é da nossa parte.
Ficamos ainda mais estarrecidos com a alegação feita pela AMAGIS em sua nota de que “o Judiciário e Ministério Público não tem quaisquer ingerências ou poder para determinar mudanças no sistema penitenciário”. Não apenas têm o poder, mas têm o DEVER LEGAL, previsto no Art. 66 da LEP, de inspecionar mensalmente os
estabelecimentos penais e tomar a medidas cabíveis para seu adequado funcionamento. Ademais, o judiciário mineiro tem responsabilidade direta pela atual situação do sistema prisional mineiro. Segundo informações atualizadas do CNJ, quase 70% da população presa em Minas não tem uma sentença transitada em julgado. Quando a regra constitucional da presunção de inocência se torna exceção, podemos dizer que vivemos
às margens da lei e dos mandamentos fundamentais de um Estado de Direito.
Para além do dever legal previsto na LEP, de fiscalizar as unidades de cumprimento de pena, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução no 96, em 27 de outubro de 2009, que cria os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário no âmbito dos Tribunais de Justiça do Estado. Entre suas diversas funções
estão “acompanhar e propor soluções em face das irregularidades verificadas nos mutirões carcerários e nas inspeções em estabelecimentos penais” e “estimular a instalação de unidades de assistência jurídica voluntária aos internos e egressos do Sistema Carcerário”. Cabe ressaltar que o Grupo de Amigos e a Frente Estadual pelo
Desencarceramento de Minas já enviaram diversas ofícios ao GMF/TJMG, composto por magistrados mineiros, requerendo informações, fazendo denúncias e cobrando o cumprimento integral da Recomendação 62 do CNJ, não obtendo, até a presente data, nenhuma resposta ou satisfação.
Por fim, quanto às transferências arbitrárias e injustificadas que têm sido realizadas pelo DEPEN/MG desde o início da pandemia, essa política tem se dado igualmente ao arrepio da lei. O judiciário tem como obrigação assegurar à pessoa presa o DIREITO de cumprir pena perto de sua família, sendo inaceitável que o judiciário
mineiro queira se eximir de sua obrigação legal de fazer cumprir a lei. O judiciário mineiro tem ficado completamente OMISSO diante da situação de violações reiteradas de direitos humanos no sistema prisional do estado. Se os magistrados tivessem a mesma disposição e agilidade que tiveram para defender a sua “honra” na prevenção e combate à tortura e na garantia do devido processo legal, o sistema prisional mineiro certamente não estaria na situação deplorável que atualmente se encontra. Nós, sociedade civil organizada, não nos calaremos e não descansaremos diante dessa situação.
Assinam:
1. Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas
Gerais;
2. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais;
3. Agenda Nacional pelo Desencarceramento;
4. Assessoria Jurídica Universitária e Popular da Universidade Federal de Minas
Gerais (AJUP-UFMG);5. Projeto Casa Verde – UFMG;
6. Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos;
7. Grupo Criminologia Crítica Feminista;
8. Espaço Social e Cultural É Tudo Nosso;
9. Centro de Estudo, Pesquisa, Intervenção (Ribeirão das Neves, MG);
10. Grupo Criminologia Crítica Feminista (PUC-MG);
11. Sociedade sem prisões;
12. Assessoria Popular Maria Felipa;
13. Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos
LABTRAB/UFMG;
14. Fórum Mineiro de Saúde Mental;
15. Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA;
16. Núcleo Interdisciplinar Sociedade e Encarceramento – NISE (UFJF);
17. Projeto Laços;
18. Unegro Mineira;
19. Grupo de Estudos Pretos (PUC Minas);
20. Coletiva Teia de Anansis;
21. Coletivo Liberdade (Juiz de Fora-MG);
22. Pastoral Carcerária de Minas Gerais;
23. Fórum Latino-Americano de Antropologia do Direito – Brasil.