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Por: Desencarcera Brasil
17/09/2020

Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade em Minas Gerais repudiam nota emitida pela AMAGIS

FAMILIARES DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADES EM MINAS
GERAIS REPUDIAM NOTA EMITIDA PELA AMAGIS

Nós, familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade em Minas Gerais, aqui representados pela Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais (Grupo de Amigos) e pela Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais, viemos manifestar nosso REPÚDIO à nota  emitida pela Associação de Magistrados Mineiros (AMAGIS) no dia 14 de setembro de 2020 (https://amagis.com.br/posts/amagis-repudia-ataques-a-justica-de-formiga).

O Grupo de Amigos nasceu em 2007, fruto da articulação de familiares de pessoas privadas de liberdade em Minas Gerais, como o fim de fortalecer e auxiliar os mesmos a buscarem a garantia de seus direitos e, principalmente, dos direitos de seus entes encarcerados, prestando também assistência jurídica e social a essas pessoas. O Grupo foi legalmente constituído como associação em 2009, sendo presidida por Dona Maria Teresa dos Santos, uma ativista de direitos humanos que é uma referência nacional na pauta prisional. O Grupo de Amigos compõe a Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais e a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, articulação composta por centenas de organizações, movimentos sociais, coletivos e associações de familiares de pessoas presas e/ou de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, além de pesquisadores, advogados, psicólogos, assistentes sociais, professores e outros profissionais, que atua diretamente no enfrentamento ao encarceramento em massa no Brasil desde o ano de 2013.

No dia 10 de setembro, familiares de pessoas presas no Presídio de Formiga realizaram uma manifestação na porta da unidade e em frente ao Fórum da cidade para DENUNCIAR as diversas ilegalidades e crimes de tortura que estão ocorrendo naquele presídio e para REIVINDICAR o cumprimento INTEGRAL dos direitos das pessoas presas previstos na Constituição Federal e na Lei de Execuções Penais. Foi com espanto e indignação, portanto, que tomamos conhecimento da nota de repúdio emitida pela AMAGIS contra a manifestação pacífica das familiares em Formiga.

Em sua nota, a AMAGIS alega que as denúncias de tortura eram “equivocadas, vagas e imprecisas”. Ressaltamos que não cabe a nós, familiares, comprovar o “estado inconstitucional das coisas” na unidade de Formiga, realidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao sistema prisional nacional, já que é dever legal do ministério público e do juízo da execução da pena fiscalizar as unidades de cumprimento de pena, devendo tomar todas as medidas cabíveis para investigar e punir denúncias de tortura no sistema prisional. Qual foi última vez que a ilustre magistrada e representante da promotoria da comarca de Formiga realizaram uma inspeção na unidade prisional local?

Enquanto magistrados e promotores do estado sentam confortáveis em seus gabinetes custeados pelo povo mineiro, nós, familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade que trabalham de modo incansável em prol da garantia dos direitos fundamentais e humanos no cárcere, temos recebidos reiteradas denúncias de tortura em
relação ao presídio de Formiga, entre as quais a mais grave é a privação de acesso a água na unidade. Segundo as denúncias, a água é aberta nas celas apenas 9 a 12 minutos duas vezes ao dia, sendo essa toda a água que cerca de 30 apenados dividem para beber, tomar banho e para descarga. Convidamos, portanto, os magistrados e promotores de
Minas a descerem de seus prédios encastelados para conhecer de perto a realidade da sentença que impõem diariamente sem sequer refletir que por trás de cada canetada há um ser humano e uma família. Se há “desconhecimento e desinformação” a respeito d lei e da realidade do sistema prisional mineiro, não é da nossa parte.
Ficamos ainda mais estarrecidos com a alegação feita pela AMAGIS em sua nota de que “o Judiciário e Ministério Público não tem quaisquer ingerências ou poder para determinar mudanças no sistema penitenciário”. Não apenas têm o poder, mas têm o DEVER LEGAL, previsto no Art. 66 da LEP, de inspecionar mensalmente os
estabelecimentos penais e tomar a medidas cabíveis para seu adequado funcionamento. Ademais, o judiciário mineiro tem responsabilidade direta pela atual situação do sistema prisional mineiro. Segundo informações atualizadas do CNJ, quase 70% da população presa em Minas não tem uma sentença transitada em julgado. Quando a regra constitucional da presunção de inocência se torna exceção, podemos dizer que vivemos
às margens da lei e dos mandamentos fundamentais de um Estado de Direito.

Para além do dever legal previsto na LEP, de fiscalizar as unidades de cumprimento de pena, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução no 96, em 27 de outubro de 2009, que cria os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário no âmbito dos Tribunais de Justiça do Estado. Entre suas diversas funções
estão “acompanhar e propor soluções em face das irregularidades verificadas nos mutirões carcerários e nas inspeções em estabelecimentos penais” e “estimular a instalação de unidades de assistência jurídica voluntária aos internos e egressos do Sistema Carcerário”. Cabe ressaltar que o Grupo de Amigos e a Frente Estadual pelo
Desencarceramento de Minas já enviaram diversas ofícios ao GMF/TJMG, composto por magistrados mineiros, requerendo informações, fazendo denúncias e cobrando o cumprimento integral da Recomendação 62 do CNJ, não obtendo, até a presente data, nenhuma resposta ou satisfação.
Por fim, quanto às transferências arbitrárias e injustificadas que têm sido realizadas pelo DEPEN/MG desde o início da pandemia, essa política tem se dado igualmente ao arrepio da lei. O judiciário tem como obrigação assegurar à pessoa presa o DIREITO de cumprir pena perto de sua família, sendo inaceitável que o judiciário
mineiro queira se eximir de sua obrigação legal de fazer cumprir a lei. O judiciário mineiro tem ficado completamente OMISSO diante da situação de violações reiteradas de direitos humanos no sistema prisional do estado. Se os magistrados tivessem a mesma disposição e agilidade que tiveram para defender a sua “honra” na prevenção e combate à tortura e na garantia do devido processo legal, o sistema prisional mineiro certamente não estaria na situação deplorável que atualmente se encontra. Nós, sociedade civil organizada, não nos calaremos e não descansaremos diante dessa situação.

Assinam:
1. Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas
Gerais;
2. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais;
3. Agenda Nacional pelo Desencarceramento;
4. Assessoria Jurídica Universitária e Popular da Universidade Federal de Minas
Gerais (AJUP-UFMG);5. Projeto Casa Verde – UFMG;
6. Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos;
7. Grupo Criminologia Crítica Feminista;
8. Espaço Social e Cultural É Tudo Nosso;
9. Centro de Estudo, Pesquisa, Intervenção (Ribeirão das Neves, MG);
10. Grupo Criminologia Crítica Feminista (PUC-MG);
11. Sociedade sem prisões;
12. Assessoria Popular Maria Felipa;
13. Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos
LABTRAB/UFMG;
14. Fórum Mineiro de Saúde Mental;
15. Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA;
16. Núcleo Interdisciplinar Sociedade e Encarceramento – NISE (UFJF);
17. Projeto Laços;
18. Unegro Mineira;
19. Grupo de Estudos Pretos (PUC Minas);
20. Coletiva Teia de Anansis;
21. Coletivo Liberdade (Juiz de Fora-MG);
22. Pastoral Carcerária de Minas Gerais;
23. Fórum Latino-Americano de Antropologia do Direito – Brasil.