O Brasil é o único país, entre os seis que mais encarceram no mundo, que mantém ritmo intenso e constante de crescimento das taxas de encarceramento. Não apenas encarcera excessivamente, como alveja com prioridade as parcelas da população nacional a que mais foram negadas as condições básicas de existência no decurso dos 518 anos de história do país: o povo negro, morador dos diversos recantos empobrecidos pelo país.
O relatório traça um panorama geral para identificar os países que atualmente sustentam um processo de redução contínua da população carcerária (em termos absolutos e relativos) e que processos sociais dinamizam tal transformação. Alguns casos analisados são o da Califórnia, Chile e Rússia.
O Brasil é, atualmente, o terceiro país que mais encarcera pessoas no mundo. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que em 2017, 650 mil pessoas estavam presas no sistema carcerário brasileiro.
Entre 1990 e dezembro de 2014, a população carcerária brasileira saltou de 90 mil para mais de 622 mil pessoas presas, um aumento superior a 580%. No Brasil, a cada 100 mil habitantes, 316 estão presos.
O poder judiciário é um grande responsável pelo encarceramento em massa. A violação do direito fundamental à presunção de inocência é sistemática: prova disso é que cerca de 41% da população prisional brasileira ainda não tem condenação definitiva, ou seja, quase metade das pessoas presas atualmente são juridicamente inocentes.
Vale ressaltar que a maioria da população prisional é composta por pessoas jovens, pobres, periféricas e negras. A população feminina encarcerada também merece uma menção especial: apesar de corresponder a 6,5% do total da população carcerária, entre 2000 e 2014 o aprisionamento de mulheres cresceu 567%, enquanto o encarceramento de homens subiu 220%.
O resultado dessa política de encarceramento em massa não é a diminuição dos índices de violência na sociedade. Pelo contrário, dados do Datasus, plataforma do Sistema Único de Saúde, apontam que entre 2001 e 2015, houve 786.870 homicídios no país, a maioria (70%) causados por arma de fogo e contra jovens negros. Esse número é mais do que o dobro de mortes registradas na guerra da Síria entre março de 2011 e julho de 2017: 331.765, de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos.
O aumento da população prisional e do encarceramento só faz aumentar o número de mortes e de massacres. Massacres como o do Carandiru, os ocorridos em 2017 em Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte, e os que aconteceram este ano em Goiás e Belém são fatos que chocam a sociedade por parecerem a exceção do sistema.
No entanto, as mortes e os massacres são cotidianos e, em sua maioria, silenciosos por trás dos muros das prisões. O verdadeiro papel do sistema carcerário não é proteger a sociedade ou ressocializar as pessoas presas, e sim ser uma máquina de tortura contra uma população historicamente marginalizada, cuja única política pública a que tiveram acesso foi a prisão, e esse papel o sistema cumpre muito bem.
Diante desse cenário, um conjunto de organizações sociais, egressos do sistema carcerário e familiares de pessoas presas vem se articulando na defesa de que a única solução para resolver a questão prisional, tanto no Brasil como no resto do mundo, é o fim das prisões por meio do desencarceramento.
O poder público, sempre que apresenta um novo plano de segurança, insiste na construção de novas unidades prisionais e no discurso da humanização dos presídios. Essas medidas historicamente não funcionam: aumentar o número de prisões e vagas nunca diminuiu índices de violência, e não é possível humanizar um local que é feito para torturar sistematicamente as pessoas que estão presas.
A Agenda Nacional pelo Desencarceramento, assinada por mais de 47 organizações, é um documento que propõe uma série de medidas concretas para o fim do cárcere no país, como a suspensão de verbas para a construção de novas unidades prisionais, alterações legislativas para limitar a aplicação de prisões preventivas, o fim da criminalização do uso e comércio de drogas, que hoje é considerado crime hediondo e um dos maiores responsáveis por encarcerar pessoas, ampliação das garantias da Lei de Execução Penal (LEP), dentre outras propostas.
O desencarceramento não é uma utopia: países que aplicam políticas nesse sentido tem tido resultados positivos na diminuição da população prisional e nos índices de violência. Exemplos concretos desses países podem ser encontrados no relatório internacional, disponível neste site.
Como diz o texto da Agenda, “É necessário, urgentemente, fechar as comportas do sistema penal e estancar as ‘veias abertas’ do sistema prisional brasileiro com a adoção de medidas efetivas de desencarceramento, de abertura do cárcere para a sociedade e de enfrentamento concreto às violências estruturais enquanto houver prisões”.